Uma navegada para o futuro: a revolução elétrica já começou — e o Brasil precisa estar a bordo
- Redação Mundo Mar
- 3 de jun.
- 3 min de leitura
Artigo Especial: Mané Ferrari
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Em 2018, tive a oportunidade de navegar pelas águas de Miami a bordo de um barco clássico de madeira que havia sido totalmente adaptado com propulsão elétrica. O retrofit foi realizado por uma das empresas pioneiras nesse segmento na América do Norte, a então Canadian Electric Boat Company — hoje conhecida como Vision Marine Technologies.
A experiência foi marcante. O silêncio absoluto, a ausência de vibração e a fluidez da navegação mostravam que aquilo não era apenas uma curiosidade tecnológica. Era o começo de uma nova era na forma de navegar.
A Vision Marine, que começou ainda nos anos 1990 no Canadá, não apenas adapta embarcações clássicas para sistemas elétricos como também fabrica modelos próprios — como o Volt 180 e o Bruce 22. São barcos elegantes, com desempenho eficiente e operação completamente livre de emissões, ideais para lazer, transporte urbano ou uso institucional. Com autonomia que chega a 9 horas e velocidade de cruzeiro competitiva, essas embarcações já são realidade em lagos, rios e marinas de várias regiões da América do Norte.
Nos últimos anos, acompanhei de perto essa evolução em outros países. Em missões técnicas por centros náuticos europeus — como em Southampton, no Reino Unido — tive contato direto com algumas das tecnologias mais avançadas em mobilidade náutica elétrica.
Lá, pude conhecer empresas como a Artemis Technologies, que desenvolve embarcações com propulsão elétrica via foils, reduzindo drasticamente o consumo de energia e praticamente eliminando o atrito com a água. Conheci também soluções da Vita Power, que já entrega lanchas elétricas com autonomia acima de 100 km e recarga completa em menos de uma hora, e da RAD Propulsion, com sistemas modulares de motores de popa 100% elétricos, prontos para substituir os modelos a combustão.
Essas tecnologias estão sendo viabilizadas graças aos avanços rápidos e consistentes nas baterias de íon de lítio. Hoje, a densidade energética ultrapassa 350 Wh/kg (em comparação com cerca de 250 Wh/kg em 2015), permitindo mais autonomia com menos peso e volume. Além disso, os tempos de recarga vêm caindo ano após ano — alguns sistemas já atingem 80% da carga em menos de 60 minutos. O custo médio por kWh também está em queda acelerada, saindo de mais de US$ 1.000 há uma década para valores abaixo de US$ 130 em 2023.
O impacto não é apenas tecnológico, é estrutural e cultural. Países como Noruega, Suécia, Finlândia, Reino Unido e Canadá já utilizam embarcações elétricas no transporte público, patrulhamento ambiental, lazer e turismo náutico. E as legislações estão acompanhando esse movimento, com metas claras de descarbonização, incentivos fiscais e investimentos em infraestrutura de recarga.
Enquanto isso, no Brasil, seguimos com um potencial extraordinário ainda mal explorado. Temos mais de 8.000 km de costa navegável, extensas bacias hidrográficas, uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e uma indústria náutica que já responde por 70% da produção nacional concentrada somente no Estado de Santa Catarina.
Faltam, no entanto, políticas públicas específicas, linhas de crédito verde, estímulo ao retrofit elétrico, testes em marinas modelo e articulação com polos internacionais de tecnologia náutica.
A eletrificação da náutica não é mais futuro — é presente. E representa uma oportunidade estratégica para modernizar o setor, reduzir impactos ambientais, atrair novos investidores e alinhar o Brasil à nova geopolítica da energia limpa e da mobilidade marítima.
O futuro da navegação já está em curso. Silencioso, limpo, eficiente — e revolucionário.
A pergunta que fica é: vamos embarcar nessa rota agora ou esperar que a maré nos arraste depois?
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